
Nos últimos anos, um experimento chamado ANITA - Antarctic Impulse Transient Antenna, conduzido por cientistas a bordo de balões da NASA que sobrevoam a Antártida, detectou sinais de rádio estranhos vindos do espaço. Esses sinais não se comportavam como os cientistas esperavam. Ao invés de parecerem reflexos de raios cósmicos — partículas de altíssima energia que viajam pelo espaço e atingem a Terra —, alguns pareciam vir de dentro da Terra, como se algo tivesse saído do solo e atravessado a atmosfera.
Isso causou grande curiosidade na comunidade científica. Afinal, nenhuma partícula conhecida com energia suficiente conseguiria atravessar milhares de quilômetros dentro da Terra sem ser bloqueada. A não ser, talvez, que se estivesse lidando com um tipo de partícula diferente ou com uma nova forma de interação da natureza ainda desconhecida.
Foi aí que entrou em cena o Observatório Pierre Auger, localizado na Argentina, o maior centro de estudos de raios cósmicos do mundo. Um grupo internacional de cientistas decidiu, então, verificar se seria possível detectar sinais semelhantes aos do ANITA, usando os dados desse poderoso observatório, que monitora o céu em busca de partículas de altíssima energia desde 2004.
O que os cientistas procuravam
O que o ANITA viu foi algo raro, sinais que pareciam vir de partículas subindo da superfície, não descendo como acontece normalmente com os raios cósmicos. Uma das possibilidades levantadas era que essas partículas pudessem ser neutrinos, partículas quase invisíveis que podem atravessar a Terra inteira. Nesse caso, os neutrinos teriam entrado pela parte inferior do planeta, interagido com a matéria e gerado partículas que saíram para cima, provocando chuvas de partículas visíveis na atmosfera.
Mas havia um grande problema: a chance de isso acontecer era – e é - extremamente pequena com as energias observadas, o que levantou dúvidas. Por isso, os cientistas do Observatório Pierre Auger decidiram investigar se sinais parecidos poderiam ser encontrados em seus registros.
Como foi feita a busca
Usando dados coletados por mais de quatorze anos, os pesquisadores analisaram milhões de eventos, ou seja, detecções de possíveis partículas entrando na atmosfera. A busca focou em eventos com características semelhantes às observadas pelo ANITA — como a direção de onde vinham e o padrão de luz gerado nas interações.
Eles também usaram simulações de computador para diferenciar sinais reais de possíveis erros ou interferências, como testes com lasers usados para calibrar os instrumentos do observatório.
Após essa longa análise, apenas um único evento parecido foi encontrado. E, mesmo esse, segundo os cientistas, pode ter sido apenas um erro de interpretação ou um caso raro entre milhões. Ou seja, nenhum sinal realmente estranho apareceu.
Os cientistas calcularam que, se os sinais do ANITA realmente tivessem sido causados por partículas saindo da Terra, o Observatório Pierre Auger deveria ter registrado dezenas de eventos semelhantes — talvez até mais de cinquenta. Mas isso não aconteceu.
Esse resultado lança uma sombra sobre a hipótese de que os sinais do ANITA vieram de partículas emergindo da Terra, especialmente se forem explicados apenas com o que a ciência atual conhece. A conclusão é clara - algo está errado.
Isso pode significar duas coisas: a primeira é que os sinais do ANITA têm outra explicação, talvez relacionada a falhas nos instrumentos ou fenômenos naturais ainda não totalmente compreendidos. A segunda hipótese é que se está perante um novo tipo de fenômeno físico, algo que ainda escapa aos conhecimentos atuais — uma possibilidade fascinante, mas que exige muito mais evidências para ser seriamente considerada.
Esta pesquisa, que contou com a colaboração do docente e pesquisador do IFSC/USP, Prof. Luiz Vitor de Souza Filho, mostra como a ciência funciona: com testes, verificações cruzadas e busca por consistência entre diferentes experimentos. Quando um resultado surpreendente aparece, como o do ANITA, outros cientistas tentam confirmá-lo de forma independente. Neste caso, os dados do Observatório Pierre Auger não confirmaram a anomalia, o que ajuda a estreitar o caminho para explicações possíveis e impede que conclusões precipitadas sejam tomadas.
Ao mesmo tempo, isso não significa que o mistério esteja resolvido. Significa apenas que, por enquanto, não há sinais suficientes para dizer que foi descoberto algo fora do comum. Mas, a investigação continua — e o céu pode ainda nos revelar segredos impressionantes.
Confira no link a seguir o artigo científico que trata dessa matéria - https://www2.ifsc.usp.br/portal-ifsc/wp-content/s/2025/05/OBSERVATORIO.pdf
(Créditos da imagem – Christian Miki/University of Hawaii at Manoa) (Rui Sintra – jornalista – IFSC/USP)