
Baseado num conto do escritor são-carlense José Saffioti Filho e dirigido pelo cineasta João Massarolo, o curta-metragem “O Quintal dos Guerrilheiros” completa 20 anos. O filme foi todo rodado em São Carlos, com filmagens na Escola Estadual Dr. Álvaro Guião e em uma residência na região central da cidade. O filme foi estrelado pelos atores globais Caio Blat, Cynthia Falabella e Rafael Primo.
O filme fala sobre o início da Ditadura Militar, a prisão de intelectuais e políticos e narra a aventura de três amigos estudantes que se reúnem no quintal de uma casa durante a noite para debater, entre várias obras artísticas, entre discos e livros, o que é subversivo ou não. Eles fazem uma fogueira e queimam o que consideram que os podem envolver com as ideias marxistas e comunistas e levá-los à prisão.
Nesta entrevista exclusiva, o diretor da obra, João Massarolo, fala sobre as dificuldades para rodar o curta e suas consequências. “Na época, como hoje em dia, a presença de ‘globais’ na cidade contribuiu para dar visibilidade ao projeto, mas também gerou alguns percalços. A proprietária de um imóvel na avenida Carlos Botelho, escolhido como locação para o filme, quando soube da presença do Caio Blat, não se deu por rogada e dobrou o preço da locação do seu quintal na véspera das filmagens, obrigando a equipe a varrer a cidade de cima a baixo em busca de uma nova locação. O mais engraçado é que as tentativas de explicar para a proprietária do imóvel que os atores trabalhariam de graça no filme resultaram em mais desconfiança. A produção de um filme tem dessas coisas, e a do curta-metragem ‘O Quintal dos Guerrilheiros’ não poderia ter sido diferente”.
O diretor do filme afirma que é importante destacar que o curta foi filmado totalmente no e 35 mm, o que demandou uma logística de caminhões com equipamentos de luz, som, fotografia, figurinos etc., de São Paulo, sede da produtora do filme, para São Carlos. “Infelizmente, o custo ‘São Carlos’ da produção local não teve a contrapartida esperada e acho que isso aconteceu porque o tema da ditadura militar era visto com desconfiança. Ou seja, contamos na produção de cinema local com o apoio da classe artística, em especial de atores locais, figurantes, pessoal de assistência de produção, alimentação, entre outros departamentos. Olhando agora para o ado, creio que esse tenha sido o último registro da cidade de São Carlos em película”, destaca ele.
Massarolo conta como surgiu a ideia de fazer a produção cinematográfica. “O projeto do curta-metragem ‘O Quintal dos Guerrilheiros’ surgiu da leitura que eu fiz de um conto do José Safiotti, produtor cultural do SESC, e foi selecionado em um edital da Secretaria de Audiovisual, do governo federal, em 2003”.
O filme custou o dobro do previsto. “Quando o filme foi finalizado, em 2005, os custos de produção haviam simplesmente dobrado em relação ao apoio do edital. O ‘custo São Carlos’ foi basicamente em termos de logística e a hospedagem da equipe vinda de fora. Por outro lado, uma locação importante para o filme como a do colégio Álvaro Guião nos foi cedida de graça pela direção da escola na época, durante os dias de filmagens e também para as visitas da equipe de produção, tornando mais fácil o trabalho da equipe por ser localizada num espaço central e, claro, pela sua beleza arquitetônica, em especial, das escadarias. Do mesmo modo, as demais locações utilizadas foram gentilmente cedidas pelos proprietários de imóveis, com exceção da senhorinha da Carlos Botelho, e esse apoio foi fundamental para que o projeto pudesse ser realizado. Inclusive, os proprietários do imóvel onde seriam filmadas as cenas do quintal, que se a ao redor de uma fogueira, tomaram a providência de pintar o muro de branco na véspera da filmagem, sem avisar a equipe. Para nossa surpresa, encontramos um cenário totalmente distinto da proposta estética original, mas esse caso me emociona até hoje porque mostra que a comunidade local acolhe de braços abertos a produção”.
O curta também nasceu graças ao curso de Imagem e Som da UFSCar que ele, Massarolo, criou. “Na época em que o filme foi rodado ‘O Quintal dos Guerrilheiros’, o curso de Imagem e Som que eu criei na UFSCar estava ainda em sua fase de estruturação, e as possibilidades de produção na cidade eram bastante limitadas. A cultura cinematográfica se limitava ainda às famosas sessões malditas, criadas pelo falecido professor e artista visual José Sidney Leandro. Então, o despreparo era enorme”.
Ele destaca posturas e procedimentos voluntariosos e amadores durante a produção. “Na etapa de pré-produção do filme, por exemplo, preparamos um portfólio com os custos de produção e uma proposta de venda de espaços nos créditos iniciais e finais do filme.” Normalmente, o produtor executivo negocia diretamente junto às empresas, instituições e centros culturais, mas o material foi despachado pelo produtor executivo improvisado por mala direta.
Evidentemente que a escolha do elenco é uma tarefa da direção, e para isso ele precisa frequentar teatros, assistir a peças, acompanhar os trabalhos dos atores nos filmes em exibição e conversar com a produtora sobre nomes que lhe são sugeridos. Assim foi que chegaram aos nomes de um elenco que deu ao filme a alma dos jovens poetas que morreram durante a ditadura militar, formado por Caio Blat, Duna Dwek, Cynthia Falabella e Kapel Furman, com os personagens Toti, Empregada, Magali e Inspector, respectivamente. Rafael Primo também faz parte do elenco, interpretando Alfredinho.
Para surpresa do seu diretor, o filme acabou sendo selecionado para competir no Festival de Gramado no ano seguinte. “Para dizer a verdade, eu fiquei muito surpreso quando soube que o curta-metragem havia sido escolhido para ser o representante brasileiro na abertura do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, em 2005. Lembro que procurei um ex-aluno que tinha uma pequena produtora na cidade para prensar uma pequena quantidade de DVDs com o material de divulgação do filme, para entregar aos produtores internacionais presentes no Festival. Mas talvez o feito mais significativo do projeto, produzido em condições que não eram fáceis, foi a sua seleção para integrar a mostra competitiva da 34ª Festival de Gramado/RS - Cinema Brasileiro e Latino, em 2006. A exibição de 'O Quintal dos Guerrilheiros' nos principais festivais brasileiros de curta-metragem alavancou o filme, que posteriormente ou a ser exibido nos canais de TV a cabo, por emissoras de TV pública, bem como em sites e portais online”, conclui ele.