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quarta, 11 de junho de 2025
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Pesquisa na área de Sociologia estuda a "invenção" dos ataques nas escolas brasileiras

Tema do estudo partiu do entrecruzamento entre violência, istração de conflitos e educação escolar

10 Jun 2025 - 13h50Por Jessica C R
Pesquisa na área de Sociologia estuda a "invenção" dos ataques nas escolas brasileiras - Crédito: Pixabay Crédito: Pixabay

Uma pesquisa da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na área de Sociologia, analisou os eventos nomeados como "ataques às escolas" no Brasil e constatou, entre outros resultados, que vários discursos sobre o assunto apresentavam números inflados, uma vez que eventos de diferentes dimensões são agrupados na mesma categoria de "ataques". Com isso, uma pesquisa ainda constatou que o medo dos ataques pode ser muito maior do que o risco efetivo de que ondas de ataques letais ocorram nas escolas brasileiras.

O estudo, intitulado "A Invenção dos ataques às escolas", foi realizado entre 2023 e 2025 por Lucas Henrique Diniz Feltrin, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFSCar, com orientação da professora Jacqueline Sinhoretto, do Departamento de Sociologia (DS), e apoio financeiro Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Modelo e desenvolvimento da pesquisa

O estudo analisou que a forma dos "ataques às escolas" é específica como uma categoria distinta de violência durante a prática. Para tanto, desenvolveu o modelo de análise PAD estruturado em três etapas sucessivas - Preparação, Ato, Desfecho -, construído a partir da ação dos autores.

A etapa da "preparação" abrange tanto os elementos materiais mobilizados - como armas e recursos logísticos - quanto os aspectos simbólicos que antecedem a ação violenta, como o chamado "efeito contágio". O "ato em si" compreende a análise de alvos selecionados (individuais ou coletivos), bem como dos elementos performativos que marcam a ação - uso de máscaras, símbolos ou referências político-ideológicas. O “desfecho” oferece parâmetros para avaliar a efetividade do plano executado, sobretudo em termos do número de vítimas letais e/ou feridas.

O modelo PAD foi inspirado na literatura estadunidense especializada no tema. Com o intuito de compreender como as características vêm sendo abordadas e quais situações têm sido consideradas como "ataques às escolas" no contexto brasileiro, o modelo foi operacionalizado nos casos relatados na literatura acadêmica e na mídia.

Ao todo, foram analisados 54 episódios, sendo 43 provenientes da bibliografia especializada. Os demais foram identificados por meio de buscas no Google, a partir dos termos “homicídio” e “tentativa de homicídio”. "A decisão de incorporará-los à análise fundamenta-se na relevância da categoria 'homicídio' como seletiva para distinguir os ataques de outras formas de violência ocorridas no ambiente escolar", detalha Lucas Feltrin.

 

Números inflados

Os resultados demonstraram que a categoria “ataques às escolas” tem sido mobilizada para nomear situações que se distinguem em relação às inovações previstas no modelo. Parte dos casos classificados como ataques escolares configuram-se, por exemplo, como homicídios ou tentativas de homicídio em contexto escolar, com vítimas específicas, sem a intenção de atingir a coletividade escolar - o que excluiria o fato de ser classificado como um "ataque à escola". Além disso, estão reunidas a mesma classificação ameaças e lesões leves aos casos com múltiplas vítimas fatais, o que acaba inflando os números.

"Por exemplo, episódios como os de Realengo (RJ), em 2011, e Suzano (SP), em 2019, e Aracruz (ES), em 2022, são caracterizados pelo uso de armas de fogo, pela aleatoriedade total ou parcial dos alvos e pelo elevado número de vítimas fatais - elementos que justificam, inclusive, o uso do termo "massacre". Em contraste, sob a mesma rubrica, incluem-se ocorrências como as de Salvador (BA), ocorrida em 2002, Cariacica (ES), em 2008, Santa Rita (PB), em 2012, e Alexânia (GO) e no bairro São Miguel Paulista, na cidade de São Paulo, em 2022, nas quais os autores miravam alvos específicos, e não a comunidade escolar como um "todo" ou de forma confiável", compara Feltrin.

"Além disso", continua o pesquisador, "observa-se um conjunto expressivo de eventos que são recorrentemente classificados como ataques, nos quais há pretendentes da intenção de atingir vários membros da comunidade escolar - o que, em tese, justificaria sua inclusão na categoria. No entanto, uma análise mais detalhada dos contextos dessas ações revela que os mobilizados, as formas de execução e os temas abordados significativamente de outros episódios igualmente enquadrados como 'ataques às escolas'

Ilustram essa questão os casos de Campo Largo (PI), em 2019, Saquarema (RJ), em 2022, Mesquita (RJ), em 2022, e Monte-Mor (SP), em 2023, nos quais a intenção de atingir a comunidade escolar foi frustrada, resultando na ausência de vítimas fatais e/ou feridas; e também as situações em que não é clara a intenção de atacar a comunidade escolar, como nos casos de Sobral (CE), em 2022, Belém (PA), em 2023. "Tais evidências parecem reforçar a heterogeneidade dos eventos agrupados sob a rubrica 'ataques às escolas'".

 

"Invenção"

Um aspecto que o pesquisador da UFSCar destaca foi a escolha do termo "invenção", "que, além de evidenciar os fundamentos epistemológicos do estudo, também exprime a emergência e consolidação da categoria 'ataques' que possibilitaram a ressignificação de diferentes formas de violência letal ou potencialmente letal relacionadas em ambientes escolares entre 2001 e 2023.

Nesse sentido, observe-se que alguns dos eventos ocorridos no período entre 2001 e 2022, hoje classificados como ataques, são resultado de um processo de confronto do ado, impulsionado por episódios mais recentes. Assim, a veiculação recorrente da afirmação "no Brasil, houve 36 ataques de violência extrema entre 2001 e 2023", amplamente difundida desde outubro de 2023, ilustra como a formulação dessa categoria conceitual tem orientada uma reinterpretação retrospectiva das violências ocorridas no ambiente escolar, redefinindo as intervenções do que se compreende como um "ataque".

 

Conflitos nas escolas

Outra questão demonstrada pelo autor na dissertação foi analisar de que forma os diagnósticos sobre os ataques às escolas têm sido mobilizados para práticas institucionais de controle e de istração de conflitos no ambiente escolar.

Nos dois últimos capítulos da dissertação, o autor buscou compreender como tais diagnósticos vêm influenciando a percepção sobre o "estado" da violência nas escolas brasileiras, especialmente no que diz respeito à legitimação de propostas elaboradas por atores políticos e instituições públicas para intervir nesses espaços a partir da lógica do controle do crime.

São exemplos desse controle: contratação de seguranças (armados ou não), criação de botões de pânico, intensificação das rondas escolares e recrutamento das penas para delitos como homicídio e lesão corporal dolosa ocorridas no ambiente escolar.

“Vale ressaltar que esta análise se insere no debate sobre a produção de saber e a gestão de conflitos, com ênfase nos regimes de verdade que conferem legitimidade a diferentes formas de controle da criminalidade, particularmente em contextos marcados pelo avanço da racionalidade neoliberal, conclui o pesquisador.

Mais informações

A defesa da dissertação de mestrado "A Invenção dos ataques às escolas", de Lucas Feltrin, está agendada para o dia 10 de junho, às 9h30, no auditório do Departamento de Sociologia (DS), na zona Sul do Campus São Carlos.

Mais informações sobre o estudo podem ser esclarecidas com o pesquisador Lucas Feltrin pelo e-mail [email protected] ou telefone/WhatsApp (17) 98132-1628.

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