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quinta, 22 de maio de 2025
Artigo Rui Sintra

Portugal: A Revolução do 25 de Abril não acabou... Ela continua a ser um verbo

25 Abr 2025 - 06h00Por (*) Rui Sintra
Portugal: A Revolução do 25 de Abril não acabou... Ela continua a ser um verbo - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Há datas que não são apenas memórias — são compromissos. O 25 de Abril de 1974, que marcou o fim da ditadura em Portugal e deu início a uma nova era de democracia e liberdade é uma dessas datas. Com cravos vermelhos nos canos das espingardas e um povo nas ruas exigindo dignidade, Portugal mostrou ao mundo que é possível transformar um regime sem recorrer à violência. Mostrou que a esperança pode vencer o medo. Hoje, 51 anos depois, os ideais daquela revolução continuam atuais. Num mundo em que a democracia é abalada por discursos extremistas, intolerância e exclusão, a Revolução dos Cravos permanece um farol para muitos de nós, principalmente para os que a vivemos nas ruas, que tentamos entendê-la a todo o momento ao longo dos anos. Mas, para que sua luz continue a iluminar o caminho, é preciso muito mais do que comemorar — é preciso refletir e agir. É fácil romantizar o ado. Mas a verdade é que a Revolução dos Cravos foi também confusa, instável, marcada por tensões e incertezas. Ainda assim, triunfou a esperança. Triunfou o desejo coletivo por um país mais justo, livre e igualitário. Nos dias de hoje, essa esperança aparece ameaçada. O crescimento de discursos autoritários, a polarização política, a desinformação nas redes sociais e o desencanto de muitos com a política tradicional nos lembram que a democracia não é um bem adquirido. Ela exige cuidado, vigilância e, sobretudo, participação ativa. O 25 de Abril foi uma revolução feita em nome da liberdade — liberdade de expressão, de pensamento, de escolha, de mobilidade. Sem que a tenha vivido, sem que a tenha compreendido, mas tão só mergulhado em algumas dezenas de livros, cada um deles certamente com uma visão singular - quiçá tendenciosa -, ainda hoje há quem insista em limitar essas liberdades com discursos excludentes, especialmente quando o assunto é migração. Portugal tem uma longa história de emigração. Milhões de portugueses deixaram o país principalmente nas décadas de 60, 70 e 80 em busca de melhores condições de vida. Foram para França, Suíça, Alemanha, Brasil, Venezuela, Argentina, Canadá, Estados Unidos. Lá construíram comunidades, criaram famílias, mantiveram vivas as tradições e, acima de tudo, contribuíram para o desenvolvimento de outros países com o mesmo esforço e dignidade que teriam oferecido à sua terra natal, se tivessem tido essa chance. Hoje, ironicamente, somos inundados por um discurso perigoso, que marginaliza quem busca o mesmo que nossos emigrantes buscavam: um futuro melhor. Disfarçado de “preocupação nacional”, o discurso anti-imigração promove a desumanização das pessoas, alimenta preconceitos, tenta ser uma base para governar a qualquer custo e nega um dos pilares de Abril: a solidariedade. É preciso lembrar: muitos dos nossos também foram vistos como “problemas” nos países onde chegaram. Enfrentaram racismo, xenofobia, trabalhos precários, moradias indignas. Mas, resistiram e hoje são parte fundamental de países inteiros, contribuindo fortemente para as suas  economias. E continuam, mesmo longe, a carregar consigo o espírito de Abril. Nas celebrações da Revolução dos Cravos em Paris, Toronto, São Paulo ou Rio de Janeiro, vê-se com clareza o quanto os emigrantes portugueses valorizam a democracia conquistada. Para eles, o 25 de Abril é também um ato de resistência cultural, não só política. É a reafirmação de um país que não se cala, que não se curva, que lembra de onde veio e luta por onde quer chegar. Negar a outros que, DE FORMA LEGAL, têm o direito de migrar, de se estabelecer, de contribuir com sua força de trabalho e com sua cultura é trair essa memória. É esquecer que liberdade sem empatia é só privilégio. É ignorar que democracia sem inclusão é só discurso vazio, sem qualquer sentido. O crescimento da intolerância tem muitas formas — e uma das mais perigosas é a manipulação do medo. O medo do “outro”, o medo da mudança, o medo de perder espaço. Mas, a Revolução dos Cravos foi, antes de tudo, um ato de coragem. Coragem para enfrentar o medo. É esse espírito que precisamos recuperar. Não para olhar o ado com saudosismo, mas para usá-lo como ferramenta de ação no presente. Defender o legado do 25 de Abril é, hoje, combater os preconceitos que tentam se disfarçar de patriotismo através de discursos coloridos, mas vazios na sua essência. É não aceitar o retrocesso travestido de ordem e para nos lembrar do que ainda está por vir. E, principalmente, do que não podemos permitir que volte. Porque enquanto houver injustiça, opressão, intolerância e palavras vãs, a Revolução ainda não terminou... E o 25 de Abril continua a ser um verbo.

(Rui Sintra - Membro do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo - CCLB)

O autor é jornalista profissional/correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists/European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

 

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