
O caso em que o caseiro Jorge Ávalos, o “Jorginho”, de 60 anos, foi atacado e devorado por uma onça-pintada em Touro Morto, no Pantanal, em Mato Grosso do Sul, na última segunda-feira, é “muito raro”. A afirmação é do biólogo Fernando Magnani, especialista em animais silvestres. O caso aconteceu de manhã quando o caseiro se dirigia ao deck da propriedade, onde costumava verificar os barcos e coletar mel.
Magnani acredita que problemas de saúde e talvez fome tenham levado o animal a atacar o caseiro. “Conversando com o pessoal de lá, os primeiros exames deste macho adulto, que tem quase 100 quilos, ele está magro e abaixo do peso pela sua idade e tamanho e está com problemas renais e hepáticos que estão sendo tratados. Talvez isso tenha o levado a procurar outro tipo de presa que não é o normal dele”, explica.
O biólogo lembra que toda tragédia deixa algumas lições. “Principalmente para que elas não se repitam ou, pelo menos, que se torne um fator muito raro de acontece. Eu acho importante a gente pensar sobre tudo o que aconteceu neste desenrolar do fato que estamos acompanhando pela imprensa. Uma coisa que temos que pensar é que hoje em dia as pessoas estão cada vez mais distanciadas da natureza e dos na mais selvagens. E, de certa forma, começou-se a romantizar um pouco o comportamento deles. Criaram um romantismo exagerado, em especial das onças, o que é natural, pois as pessoas as associam com gatos, que são animais de estimação muito queridos mundialmente. Mas importante deixar claro que gatos são gatos e onças são onças. E ela (a onça) tem milhões de anos de evolução para fazer algo que ela faz muito bem: caçar e matar”.
Magnani lembra que animais selvagens não matam por prazer como, inclusive o homem, o faz. “O homem é capaz de matar outra pessoa ou outro animal por prazer. Os animais selvagens, quando matam outro animal, o fazem por pura necessidade. Ou por defesa, para defender o território, defender uma fêmea, que é algo instintivo para eles. O que é mais comum para os predadores é matar para comer. Porque se eles não matam para comer, eles mesmos morrem de fome. Portanto, a onça que estava no seu meio natural estava fazendo algo para o que ela foi programada a fazer durante milhares de anos, ou seja, caçando”, diz.

ANIMAIS DOMÉSTICOS ASSASSINOS - Para o especialista, os animais domésticos, como cães têm causado muito mais tragédias que qualquer felino de grande parte ou outro animal selvagem. “É bom que se diga: acidentes como este são raríssimos perto de acidentes com outros animais como os domésticos. E tragédias como esta são praticamente inexistente em todas as estatísticas. Cães matam todos os anos e somos bastante indulgentes, bastante seletivos com estas informações porque temos um relacionamento muito próximo com estes animais e a gente acaba até os favorecendo, de certa foram. Dei uma busca rápida e em 2023, segundo dados do Ministério da Saúde, 51 pessoas morreram por ataques de cães. Em 2024, do que se tem registro, 13 pessoas foram atacadas por pit bulls, dos quais, infelizmente, 6 morreram. Isso sem contar em abelha, serpentes, que matam, infelizmente centenas de pessoas todos ao anos”.
Magnani lembra que talvez por ignorância, várias pessoal fizeram comentários equivocados sobre o comportamento da onça. “Também foi noticiado com alvoroço o que o animal retornou ao local mais um de um dia. Mas isso é algo normal para um predador deste tipo. Quando se tem sucesso numa caçada eles retornam para continuar se alimentando. E tendem, sim, a defender o alimento como aconteceu atacando um socorrista. A pessoa saiu até machucada, mas este é um comportamento normal dos predadores. A onça foi capturada se usando sedativo e está agora sob os cuidados do CRAS (Centro de Reabilitação dos Animais Silvestres) de Campo Grande (MS)”.
Ele disse que o que provavelmente tenha levado a onça a atacar o caseiro fosse a desnutrição e outros problemas de saúde. “Conversando com o pessoal de lá, os primeiros exames deste macho adulto, que tem quase 100 quilos, ele está magro e abaixo do peso pela sua idade e tamanho e está com problemas renais e hepáticos que estão sendo tratados. Talvez isso tenha o levado a procurar um tipo de presa que não é o normal dele”.
O biólogo disse torcer para o animal se recuperar dos problemas de saúde e esclarece que no dia e local da tragédia ninguém fez nada de errado que levasse a este desfecho trágico. “Espero que o bicho se recupere. A onça é importantíssima para a espécie ameaçada. Sua população vem diminuindo, pois muitas vêm sendo mortas pelo ser humano ano a ano. Há culpados pelo que aconteceu nesta tragédia? Não! Nem o senhor Jorge, que era o caseiro que perdeu a vida e nem a onça, que agiu de acordo com seu comportamento. Agora se está estudando qual a destinação que se dará à onça. Talvez ela volte à natureza ou talvez não. Talvez ela venha integrar programas de conservação em cativeiro, pois é um animal muito importante para isso. Pensando em lições, é importante de repensar a forma como estamos agindo com estes animais, que são predadores grandes”.
Ele também condenou atitudes tomadas para se agradar turistas. “No caso do Pantanal, por exemplo, tem um processo errado, que é a atração com cevas perto do barranco para turista tirar foto. Não são todas as agências e pousadas de turismo que faze, mas infelizmente alguns fazem. E não é difícil encontrar estas fotos na internet, gente com barco oferecendo peixe para onça. Infelizmente isso é muito ruim”
A ação do homem, segundo Magnani, atrapalha a vida natural das onças nas matas. “Nós estamos desmatando a casa delas, que são as matas com uma velocidade absurda e acabando com o alimento natural dela, que o cateto, a queixada e a capivara”.
ONÇAS PINTADAS PETS – Ele também cita o fato de pessoas domesticarem onças. “E, infelizmente, rivalizando a troco de likes, mostrando onças pintadas pet, ou seja, onças pintadas de estimação, onças com comportamento totalmente alterado, ou seja, bichos dentro de casa. Gente nadando junto com onça, pegando, abraçando, andando junto. Este tipo de comportamento é desaconselhável. Trabalhando durante anos, posso dizer que a interação entre homens e animais tem que ser respeitosa e cada um manter o distanciamento, irando, mas à distância”.
A convivência entre animais selvagens, segundo o biólogo é possível, desde que mantidas certas regras. “Me perguntaram se existe espaço bastante para a onça e humano nas nossas matas, posso falar que tem de sobra. Mas é necessário se definir espaços de convivência. E talvez uma delas e a mais importante seja irar, de uma foram respeitosa, mas a distância. Este talvez seja o ponto principal para se ter uma convivência pacífica”, conclui ele.